conversar com pessoas > abismo > algoritmo
se eu quero mostrar que sou melhor que uma inteligência artificial, talvez deva não depender dela para saber tudo
outro dia joguei uma frase na conversa comigo mesma no telegram, para refletir sobre ela depois. era essa:
quer um sistema de recomendação? troque o algoritmo pelo encontro com pessoas.
e fiquei pensando muito sobre isso. a frase até se perdeu ali entre outros áudios e links, mas sua essência ficou ecoando na minha cabeça. foi esse insight que me fez escrever esse post, inclusive:
vivemos cada vez mais no digital. é onde nos informamos, a maioria das vezes. e essas “notícias” vem ou pelo whatsapp (alguém vê e lembra da gente) ou nas redes sociais. ambas fontes são impactadas diretamente pelo algoritmo das plataformas.
pra não tretar politicamente, vou usar um cachorro como exemplo, tá? Nina aprova esse formato.
estou ali, correndo o dedo na tela do telefone e passando o feed do instagram. aí eu vejo um vídeo ensinando a cuidar de cachorros que dormem dentro de casa. ele não apareceu ali ‘de graça’, mas sim porque eu tô sempre assistindo e interagindo com vídeos de cachorro e de ‘faça você mesmo’. esse é o algoritmo agindo na minha vida, no que eu vejo e no que eu sei.
se o vídeo é útil mesmo, eu vou querer passar a informação adiante, mas não vou mandar para uma pessoa que não tem cachorros, pois ela não precisa dessa informação, certo? só vou mandar esse vídeo pra quem, como eu, tem um bichinho. esse é o algoritmo da minha vida impactando a vida dos outros.
falamos tanto sobre sermos substituídos pelas inteligências artificiais no trabalho, mas deixar substituírem o livre arbítrio informacional é ok?
é por isso que a frase lá do começo bateu forte aqui. eu tô bem cansada de ter acesso às mesmas pautas e perspectivas, compartilhadas pelas mesmas pessoas. e não tô nem falando dos amigos e conhecidos, são das pessoas aleatórias que a gente vai achando pelos caminhos digitais - caminhos esses traçados por quem mesmo? ah, pelo algoritmo. se eu segui, é porque me identifico; mas me identifico com o que, mesmo? e não importa se é um conteúdo de humor, educativo, empoderador, questionador… se ele tá ali no teu feed, é porque tu te reconhece nele.
É que Narciso acha feio o que não é espelho,
já canta Caetano, em Sampa.
a gente repele o que não nos agrada, seja não querendo ver ou xingando quando vê. e as redes sabem disso. e como elas se alimentam dos nossos dados - e reações são dados que valem dinheiro pra eles - acabam nos dando mais e mais do que queremos
inclusive, o algoritmo sabe se tu é uma pessoa reativa que ama uma treta e vai te jogar na cara mais e mais posts que te façam reagir xingando nos comentários e compartilhar indignado. já se tu é mais namastê e fica no vídeo de gatinho, ele vai te dar mais disso, porque quer te prender ali pra fazer o gráfico de tempo de uso mostrar que ‘olha, nossos usuários ficam em média 2h por dia conosco, como tu não vai anunciar aqui?’.
tá, mas e o que fazemos?
falei sobre isso no sábado na terapia. eu tenho buscado mais contato com pessoas. e não só as que eu estou acostumada, aquelas da minha bolha. a necessidade de estourar a bolha nunca foi tão forte em mim. claro que eu faço isso em uma zona minimamente segura - não vou, por exemplo, sentar pra papear com um nazista e puxar esse assunto só porque quero tentar entender porque ele pensa como pensa; deixa ele pensar merda longe de mim, sabe… - mas tenho tentado fazer.
inclusive essa é uma das minhas metas do ano, né? sair mais de casa, estar em eventos, que podem ser da minha área ou de outro assunto que me interesse. e até aí tenho tentado escolher eventos que nunca fui, exatamente porque não quero ver as mesmas pessoas.
isso tudo que eu escrevi faz sentido pra ti? ou tu prefere ficar na bolha, nessa zona segura, consumindo o que curte, interagindo com iguais e deixando o resto de lado?
renova o café e conta pra mim, aqui não tem julgamento, porque não existe postura certa. o que existe é postura que faz bem pra ti, pra mim…
pra fechar, vou deixar uma frase do Elon Musk que me chamou a atenção essa semana e quem tem muita relação com o papo ali de cima.
“vou lançar algo chamado TruthGPT, ou uma IA que busque a verdade absoluta e tente entender a natureza do universo”. Elon Musk, dono da Tesla, SpaceX e Twitter
huuuum, ele quer buscar a verdade absoluta? pela perspectiva de quem? quem vai contar a história da verdade dele? e se eu disser que essa verdade, bem, ela não existe?
como boa estudante que em algum momento foi impactada pelas ideias da Escola dos Annales e da Nova História, não consigo mais pensar na narrativa historiográfica sem considerar o que tem a contar sobre o fato quem perde, quem tem papel secundário, quem foi impactado para além das questões políticas. são tantas verdades que podem compor um fato e acreditar que há apenas uma, absoluta, se não for ingenuidade, é má-fé e autocentrismo mesmo.